João Pereira Coutinho, escritor português
Bento 16 é um diplomata: na sua mensagem de Páscoa, o papa apelou ao
fim dos confrontos na Síria. E, com cautelas mil, teve ainda uma palavra de
preocupação pelos cristãos do mundo inteiro, que sofrem pela sua fé e são
perseguidos pelas autoridades locais.
O papa fez bem em levantar o véu. Mas um leitor interessado nos
pormenores sórdidos da vaga anti-cristã --nomes, números, crimes etc.-- deve ler
a edição pascal da revista "The Spectator". Que, dessa vez, dedica uma especial
atenção aos cristãos do Oriente Médio. Primeira conclusão: os cristãos da zona
não estão a gostar da "primavera árabe".
Pelo contrário: para muitos deles, a primavera virou inverno e a
sobrevivência deixou de ser uma certeza. Conta a "Spectator": nos inícios do
século 20, os cristãos árabes representavam 20% da população total. Hoje, andam
pelos 5%.
Existem casos para todos os gostos. No Iraque, por exemplo, a invasão
americana de 2003 encontrou uma comunidade robusta de 1,4 milhões de cristãos.
Passaram-se quase dez anos --e, em dez anos, aconteceu de tudo: a destruição de
igrejas (70); a morte de fiéis (cerca de 1000); e a fuga de 800 a 900 mil do
país. Hoje, dos 1,4 milhões iniciais, restarão uns 400 mil.
Na Síria, a situação não é melhor. Não apenas porque o país está
envolvido numa guerra civil "de facto"; mas porque os rebeldes islamitas
aproveitam o momento de luta contra o regime de Bashar al-Assad para fazerem
outro tipo de limpezas religiosas. Só em Homs, 50 mil cristãos foram expulsos da
cidade nos últimos dois meses de confrontos. Um número
impressionante?
Nem por isso. No Egito, e só em 2010, 200 mil cristãos deixaram as
suas casas em Alexandria, Luxor ou no Cairo. Esses foram os afortunados. Os
menos afortunados foram mortos na passagem do ano em Alexandria (21) ou na
capital (mais 27).
Claro que, perante este quadro negro, há motivos de esperança. Se os
cristãos são perseguidos, massacrados ou expulsos dos países árabes, isso não
significa que não encontrem abrigo na região. O leitor é capaz de adivinhar qual
o pedaço do Oriente Médio onde a população cristã subiu 2.000% nas últimas seis
décadas?
Se o leitor pensou na tolerante Gaza (ou na Cisjordânia), lamento
desapontá-lo. Em Gaza, e desde 2007, metade da comunidade cristã também resolveu
fazer as malas para não ter problemas com o Hamas. E, sobre a Cisjordânia, os
15% de cristãos estão hoje reduzidos a uns míseros 2%.
O país que tem servido de abrigo para a comunidade cristã é, acredite
se quiser, Israel. Aliás, não apenas para os cristãos --mas para outras minorias
perseguidas do Oriente Médio.
Eis o supremo paradoxo: Israel é um estado tão racista e intolerante
que, na hora do aperto, é a escolha nº 1 das vítimas do racismo e da
intolerância.
João
Pereira Coutinho,
escritor português, é doutor em Ciência Política. É colunista do "Correio da
Manhã", o maior diário português. Reuniu seus artigos para o Brasil no livro
"Avenida Paulista" (Record). Escreve às terças na "Ilustrada" e a cada duas
semanas, às segundas, para a Folha.com.
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