sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

ALÉM DAS DESCULPAS


Charges de Libelo de Sangue
Manfred Gerstenfeld



As desculpas oferecidas pelo semanário britânico “The Sunday Times” para uma caricatura antissemita, publicada no Dia Internacional de Lembrança do Holocausto endereça a apenas um aspecto importante desta questão. O jornal afirmou que a publicação do desenho "foi um erro e cruzou a linha". Ele admitiu que a caricatura de Gerald Scarfe, tinha refletido "a iconografia histórica que é persecutória ou antissemita". O desenho mostrava primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, construindo uma parede, usando o que parecia ser o sangue dos palestinos como cimento. A legenda dizia: "Será que continuará a cimentar a paz?".

A importância geral do pedido de desculpas é que tanto o agressor quanto a vítima concordam que o que aconteceu foi errado. Neste caso, no entanto, o pedido de desculpas também ressalta a necessidade de fazer várias perguntas adicionais.

Uma questão não resolvida é que a caricatura inverte a verdade, em vez de exagerá-la. Scarfe sugere que, o que é principalmente uma cerca de segurança - apresentado aqui como uma parede - era para matar palestinos. No entanto, foi construído para evitar que assassinos palestinos entrassem em Israel e matassem civis judeus.

Antissemitismo


Charge de Gerald Scarfe
 
Além disso, o desenho reflete um motivo antissemita importante que tem suas origens históricas na Grã-Bretanha - o “Libelo de Sangue”**. Ele foi inventado no século XII em Norwich. Na época, foi falsamente alegado que os judeus tinham matado um menino de 12 anos de idade, cristão, chamado William, para fins rituais. A história continuou circulando até que algumas décadas mais tarde, como em muitos outros lugares na Inglaterra, todos os judeus de Norwich foram assassinados. Da Inglaterra, o libelo de sangue sobre os judeus, se espalhou para outros países cristãos.

Outra questão importante é: Onde estão as desculpas para outros desenhos usando iconografia que lembra o libelo de sangue, tanto na Grã-Bretanha quanto em outros lugares? Talvez a caricatura mais conhecida do gênero foi publicada pelo diário britânico, The Independent. Dave Brown retratou o então primeiro-ministro israelense, Ariel Sharon como uma comedor de crianças. Nunca houve um pedido de desculpas por esta iconografia antissemita, da parte do jornal.

Em resposta aos protestos, a Comissão de Reclamações da Imprensa do Reino Unido autorizou a caricatura de Brown. E foi ainda mais "normalizada" depois que ele ganhou o prêmio de "Cartoon Político do Ano de 2003" do Reino Unido, dado pela Sociedade de Caricatura Política. O prêmio foi entregue a Brown em novembro de 2003, na sede do The Economist, prestigiado jornal semanal, pelo Ministro do Trabalho e ex-ministro para a Assistência Externa, Clare Short.

Na época, Zvi Shtauber era o embaixador de Israel no Reino Unido. Ele disse-me mais tarde, "Simon Kelner, editor do The Independent, é judeu. Perguntei a Kelner se The Independent já tinha publicado uma caricatura semelhante de alguma figura pública”. Ele teve de voltar uns 18 anos para encontrar algo similar. Tim Benson, o presidente da Sociedade de Caricatura Política, disse que não viu nada de errado na premiada caricatura racista .

O The Independent não foi o único jornal "progressista" a publicar desenhos do libelo de sangue. No meio da década anterior, Michael Howard, um judeu, era líder do Partido Conservador, então na oposição. Em abril de 2005, o The Guardian publicou uma caricatura de Steve Bell, retratando Howard com dentes de vampiro, um dos quais estava pingando sangue, e segurando um copo de sangue. A legenda dizia: "Você está bebendo o que estamos bebendo? Vote Conservador". Para adicionar o insulto à injúria, Annabel Crabb, da “Australian Broadcasting Corporation”, elogiou-o em uma entrevista na TV, pela tal caricatura. Bell também em outras ocasiões, desenhou Howard com dentes de vampiro.

O cientista político belga, Joël Kotek tem uma coleção de milhares de caricaturas de ódio anti-Israel e antissemitas  da mídia árabe e ocidental. Ele publicou uma seleção destas “charges” em seu livro “Cartoon and Extremism”. Basta comparar as caricaturas britânicas, acima mencionadas com a seleção ampla, principalmente do mundo árabe e algumas do período nazista, para ver como sua iconografia se encaixa perfeitamente.

Um estudo realizado pela Universidade de Bielefeld para a Fundação Social-Democrata Alemã Friedrich Ebert em 2011, encontrou um percentual de 42% do povo britânico - e uma porcentagem semelhante em outros países europeus – que acreditam que Israel está conduzindo uma guerra de extermínio contra os palestinos. Uma pergunta importante deve ser feita - Quem plantou essa visão de mundo extremamente antissemita na mente dos britânicos? As caricaturas são, portanto, apenas a ponta do iceberg de uma questão muito maior que diz respeito às autoridades britânicas e da população em geral.

O pedido de desculpas do jornal acerta ao afirmar que, "a imagem que publicamos de Binyamin Netanyahu... pareceu mostrar ele divertindo-se com o sangue dos palestinos". A questão agora a ser feita é: Por que os políticos britânicos, mídia, ONGs, acadêmicos e sindicatos têm consistentemente ajudado a fortalecer uma imagem genocida que muitos britânicos têm sobre Israel? Criar esta visão para o mundo é mais do que um erro. É um crime. Aqui, as linhas de uma magnitude infinitamente maior foram cruzadas por uma caricatura antissemita publicado no Dia Internacional de Lembrança do Holocausto.

Manfred Gerstenfeld é membro do conselho e ex-presidente do Centro de Jerusalém para Assuntos Públicos (2000-2012). Ele é um destinatário da Lifetime Achievement Award (2012) da Revista de Estudos de Antissemitismo

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